quarta-feira, 18 de junho de 2008

Opinião Pública - A questão do Rio de Janeiro



As coisas não começaram bem por aqui. No início, se gastava muito, mas muito dinheiro mesmo, atrás de artigos mínimos para pessoas com muito dinheiro (leia-se especiarias, ou seja, orégano, pimenta do reino e outras coisas imprescindíveis para a vida dessas patricinhas de séculos passados).

Por um erro de cálculo, um navio que b
uscava tais especiarias, de outro país atualmente subdesenvolvido como o nosso, acabou por chegar por aqui. Eis o descobrimento da América. Eis o início de nossos atuais temores.

Com o descobrimento da América, conquistadores portugueses, espanhóis, holandeses, britânicos, vieram, com boas intenções e armas, pilhar o que podiam pilhar, usurpar o que podiam pegar e dominar povos e culturas milenares. Daí surgiu, para nós, o primeiro confronto de classes. Exploradores e índios. O maior massacre da história.

Após dominar todos os países de forma quase idêntica (há historiadores que retiram os EUA dessa lista, mas, se olhar bem, basta ver a atual exclusão dos índios navarros), começaram a diferenciar classes e status. E a definir os "crimes" e os "criminosos em potencial".

No nosso Código Criminal do Império, era crime jogar capoeira. Uma conduta, como se percebe, que qualquer pessoa poderia praticar, até porque ofenderia bens jurídicos muito graves em nossa sociedade (frisar a ironia). Escravos, assim como os índios, também foram excluídos. Posteriormente, os pobres entraram nesse seleto, mas quantitativo, número de pessoas excluídas pela minoria dominadora.

Vamos adiantar um pouco no tempo. Rio de Janeiro. Ditadura militar
.

Sob a desculpa de desarticular criminosos políticos, um ótimo pensador político pensou em colocar esses criminosos - que foram estu
dar no exterior, lutavam pelo comunismo, tinham conhecimentos avançados sobre guerrilha, conheciam as revoluções sociais latinas - junto com criminosos "comuns" - estupradores, homicídas e ladrões. A idéia era enfraquecer esses criminosos políticos, pois, pensavam, junto com criminosos mais graves, eles teriam receio e seriam dominados pela cadeia. Uma idéia ótima, que deu origem ao Comando Vermelho (leia aqui, para saber mais).

O Comando Vermelho é o fruto da combinação dos criminosos políticos, que dominaram cadeias e penitenciárias, unindo os presos, com premissas de defesa e proteção dos criminosos contra uma sociedade injusta, desigualitária e classista. A causa ganhou corpo e respeito pelos criminosos e deu origem a tantas outras. E repercutiu fora das celas.

Vamos contar, agora, uma história paralela. A origem das favelas cariocas está relacionada, diretamente, à necessidade de habitação humanda, em grandes centros urbanos, e à existência de um mercado consumidor àvido por trabalhos manuais, tão estigmatizados pelas elites. A madame não irá querer lavar seu cachorrinho ou preparar sua refeição, preferindo dar esse trabalho para outros. O senhor não vai engraxar seu sapato, já que há um moleque, bem preparado, para isso.

A sociedade do Rio conviveu bem com a favela no início. Até que a favela se deu conta de seu potencial. Ao menos, de forma primária. A partir do mercado de drogas mais sofisticadas, especialmente cocaína e heroína, a favela passou a intermediar sua venda às elites da capital. E passou a ganhar muito dinheiro. Com dinheiro, se armou e começou a se defender dos mau-tratos e abusos do poder policial ditatorial.
E, nisso tudo, alguns presos voltaram à favela, cheios de conhecimento e com uma bandeira: comando vermelho.

A diferença social, que antes ficava separada pelos morros, começa a se tornar questão principal, violência desmedida. Os tiros da favela, com armas mais potentes, acertam dentro do apartamento luxuoso, em bairro nobre. Os jovens, em busca de tóxicos e diversões rápidas, entram no mundo dos "criminosos", e acabam sofrendo conseqüências que nenhum pai capitalista gostaria - prisão, estigmatização, morte. O criminoso, finalmente, resolve descer do morro (como aconteceu nos conflitos entre Primeiro Comando da Capital, em São Paulo).

A opinião pública mostra-se chocada. Primeiramente, pois o fato de chocar os telespectadores dá muito ibope. Todos querem saber da chacina, da
guerra do tráfico, das mortes de estranhos. Posteriormente, ao mostrar as falhas nas políticas d e segurança pública - sem, contudo, realizar um estudo profundo, buscando as causas de toda a estigmatização e criminalização dessa parcela da população. Por fim, busca soluções céleres e imediatistas, para um problema que foi gerido durante vários anos e manteve-se esquecido, recluso nos morros e favelas, locais em que a única figura do Estado que se mostrava presente, como bem acentua Paulo Lins, era a polícia. E polícia não leva educação, nem saúde. Polícia é meio de contenção, é exercício da coação estatal, em hipóteses extremas.


Mas a polícia, se usada isoladamente, não têm condições de reduzir a criminalidade. Especialmente quando a criminalidade retrata a desigualdade social - a maioria dos crimes percebidos pelo sistema criminal são contra o patrimônio (furto, roubo, estelionato, latrocínio), ou seja, são crimes de alguém que quer os bens de outra pessoa.

A melhor saída seria uma abordagem conjunta, com a polícia, para as infrações mais graves, mas com educadores, agentes de saúde, ONG's reintegrantes, ações afirmativas, valorização dos cidadãos. Mas isso demanda dinheiro. E se não há dinheiro, sequer, para a corrupção, quem dirá para melhorar uma parcela grande da população?

Bom, continuemos com nossas políticas públicas de contenção. Como se sabe, a polícia não iria dar conta do recado. O ser humano é corruptível. Os policiais também são. E o sistema também possui condições de se adaptar aos tempos, logo, a criminalidade no Rio de Janeiro adentrou no sistema, tornando-se mecanismo importante no sistema policial, com meios de corrupção, não atuação ou seletividade das ações policiais. O dinheiro das drogas é muito grande.

Passamos mais alguns anos. Alguém teve a brilhante idéia de transforma essa guerra particular em guerra de Estado. "Já que é uma guerra", devem ter pensado, "vamos colocar nossa maior força no meio. Que venha o exército". O espetáculo já estava montado e aguardávamos, com apreensão e medo, algumas de suas conseqüências sinistras. E os noticiários estamparam uma delas:



No Morro da Providência, no dia 14.06.2008 (sábado), 3 (três) jovens foram detidos, por 11 militares, e entregues a traficantes de uma facção rival, do Morro da Mineira. No dia seguinte, foram encontrados mortos, no lixão de Gramacho, em Duque de Caxias.

Segundo relato dos militares, os jovens teriam sido detidos por "desacato à autoridade" e foram liberados, pela ausência de tal crime. Segundo relata o delegado da 4ª Delegacia de Polícia Civil do Rio, o tenente não teria concordado com a decisão de seu superior, de não registrar a ocorrência, e teria entregue os jovens aos traficantes contrários.

A população local, atônita, foi se rebelar contra o ato desses agentes públicos. A comoção social, de outro lado, acabou por causar mais atitudes de força, pelos soldados do Exército, que se confrontaram com os populares. Houve, inclusive, uso de bombas de efeito moral (pra mim, o efeito é muito mais que moral) contra 400 moradores do Morro da Providência.

Os militares ocupam o morro desde dezembro de 2007. Eles estariam lá para realizar o projeto "Cimento Social", com auxílio dos moradores. Na realidade, o que verificamos é outra coisa. O que era pra ser passageiro, transformou-se em cotidiano. E o exército não funciona dessa forma. Uma força de defesa do Estado tem meios gravosos e únicos para proteger o próprio Estado contra momentos de comoção nacional, de violência estrangeira, de auxílio no exterior. Não pode realizar política pública, até porque isso não é sua função. Exército não é habilitado para fazer cimento ou para dar ares de socialização para a população. Há outros setores do Estado mais aptos para isso.

Em virtude do grave fato ocorrido, vieram a tona mais notícias das gravidades que o uso desnecessário da força militar deu causa. Moradores reportam a imposição de horário de recolher, de violência e truculência contra os locais. Outras possíveis infrações estão sendo relatadas, causadas, especialmente, pelo longo tempo de duração da atividade do exército no local.

Resta, agora, torcer para que não se transforme em conflitos ainda mais gravosos. E que não haja, por nenhum dos lados, mais violência - especialmente pelos agentes públicos, que não podem, sob o manto do Estado, praticar atos impraticáveis em uma democracia.

Não podemos nos esquecer que o presente é o reflexo do passado. Então, que todos tenhamos atitudes para que, no futuro, esse quadro caótico, desenhado minuciosamente tempos atrás, desapareça.


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Para saber mais, veja:

Folha Online

G1


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