domingo, 21 de outubro de 2007

Por que é importante a Defensoria Pública no Brasil? - Parte 3




Enfim, este é o terceiro e último post introdutório sobre a Defensoria Pública no Brasil. A idéia, desde o início, foi dar uma visão ampla sobre essa instituição, que ganha grandes projeções no nosso país e, como reafirmado por várias vezes, tem importância singular na concretização de vários princípios insertos na nossa Constituição.


Como visto, a Defensoria Pública assegura que todos, ainda que não possuam recursos financeiros, podem acessar o Judiciário, defendendo seus direitos em face de outras pessoas. Essa seria, inclusive, uma das faces dos movimentos de acesso ao Judiciário nos países ocidentais, afirmado pelo doutrinador italiano Mauro Cappelletti. Segundo ele, seriam três ondas renovatórias, a primeira assegurando a assistência judiciária gratuíta, a segunda voltada para assegurar a defesa dos interesses coletivos e difusos (direitos dos consumidores e ambientais, por exemplo) e, por fim, a terceira se volta para a reforma da Justiça, garantindo a efetividade de suas decisões, a razoabilidade na duração dos processos etc...


Essas tendências aparecem a partir da década de 70, e nosso país as acompanhou. Com a Emenda Constitucional n.º 45, ficou claro a intenção do constituinte em concretizar essas ondas renovatórias. Havia em seu texto original, inclusive, a independência financeira e econômica da Defensoria Pública, o que, contudo, não constou do texto aprovado.


Mas porque é importante a autonomia, já que a Defensoria Pública possui essa importância singular?


Todas as instituições que possuem autonomia, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, volta e meia voltam-se contra interesses governamentais. Assim, caso não tivessem tal desvinculação dos entes governamentais, dificilmente o seu trabalho seria idôneo, pois as possíveis ingerências políticas atrapalhariam a regular verificação de contas ou, ainda, a apuração de algum delito ou ato de improbidade administrativa.


Contudo, ao contrário do assentado por vários jornais, a Defensoria não poderia, nunca, ser um espelho do Ministério Público. E a razão para isso é bem simples. A Defensoria possui outros interesses a defender. Vamos aos dados.


Uma das funções do Ministério Público, ao lado de vários deveres constitucionais, é a defesa dos interesses individuais homogêneos, de caráter social. A Defensoria, ao contrário, apenas defenderá pobres. Sempre.


Talvez, por isso, o medo de algumas alas políticas sobre a autonomia da Defensoria. Dar autonomia pro órgão defensor dos hipossuficientes é, em síntese, garantir mais ações contra o governo. É dar voz aos que são excluídos. É ir contra o interesse dos grandes mandantes da nação, que pouco se importam com os pobres e marginalizados. É dar importância a quem nunca teve.


De acordo com dados fornecidos pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (clique aqui), cerca de 60% dos municípios não possuem defensores públicos - em regra, são os municípios mais pobres, e os que mais possuem necessidade desse serviço. Ora, deveria ser o contrário, pois se presume que, nos municípios mais ricos, haja um número maior de advogados e universidades de Direito, tenham outros meios de assistência jurídica gratuíta.


Agora, dos mais de 180 milhões de brasileiros, estima-se que R$ 85,50 são gastos, por cada habitante, para o sistema judicial brasileiro. Desse montante, 71% são utilizados pelo Judiciário, 25% com o Ministério Público e apenas 3% são investidos na Defensoria Pública. Dados alarmantes, não é?


Mostra-se muito dificil estruturar a Defensoria Pública em nosso país, ainda mais quando se verifica sua total subordinação ao Executivo, em todas as questões. Como, então, dar voz aos marginalizados?


Há um projeto de Emenda à Constituição, de número 487/05 tramitando na Câmara dos Deputados. Mas há diversas ações, por parte de representantes de uma elite minorizada, que tentam obstaculizar sua votação. Será que a população conhece essa repulsa, por nossos congressistas, na votação e aprovação de algo importantíssimo para os carentes?


Veja a que ponto chegou a discussão, no seguinte relato do Dep. José Carlos Aleluia (DEM/BA), congressita acima de qualquer supeita, no plenário da Câmara:



"O SR. JOSÉ CARLOS ALELUIA (DEM-BA. Sem revisão do orador.)

- Sr. Presidente, temos nos reunido para onerar a sociedade, para aumentar custos. V.Exa. era Líder do Governo e eu, da Oposição.


V.Exa. se lembra de como este projeto chegou aqui? Qual era a idéia original?


O que se pretendia, Deputadas e Deputados, era criar um poder novo, independente, que usurpava o poder do Legislativo, que tinha poder de iniciativa legislativa; o que se pretendia era aprovar uma PEC que obrigava os Estados e a União a abrir um escritório da Defensoria Pública onde houvesse uma comarca.


Temos deveres com a sociedade. A saúde está aos pedaços, e estamos aqui, a cada dia, a cada hora, aumentando o custo para a sociedade e não lhe dando nada em troca. O que temos votado? Só votamos contra o povo, para os que estão na galeria. Está na hora de olharmos para quem vota na gente e não votar em quem olha a gente. Há ali um grupo de pessoas respeitáveis, não sei se chega a 15. Eles estão defendendo os seus interesses. As carreiras jurídicas estão tomando conta do Brasil.


V.Exa. é médico. Um médico na Paraíba ganha 900 reais. Se deixarmos o texto original, se permitirmos que tenha iniciativa legislativa, esta carreira em breve estará equiparada ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e teremos as vocações dos brasileiros desviadas. Hoje, no Brasil, o jovem não quer ser engenheiro, porque o engenheiro ganha 2, 3 mil reais. O jovem não quer ser médico, porque médico ganha mil reais. Todos os jovens querem ser advogados para encontrarem um caminho nas carreiras jurídicas do Governo. Em que pese a posição de V.Exa. e a minha, que em muitos momentos impediu que fosse aprovado o texto original, hoje vai aprovar um texto amenizado. O Relator Flávio Dino melhorou o texto, tenho de reconhecer.


Tirou a iniciativa legislativa, que era um absurdo. A iniciativa legislativa tinha de ser privativa do Congresso Nacional, como é na democracia presidencialista, referência do mundo, a democracia americana. Abrimos mão, primeiro, para o Executivo, depois para o Judiciário, depois para o Ministério Público, e agora, se não fosse alguém que tivesse gritado contra isso, novamente teríamos aberto mão, porque o Governo não tinha percebido o erro que estava cometendo.


Parabenizo a Liderança do Governo por ter aberto o olho em hora certa e retirado a iniciativa legislativa, a autonomia financeira. Suponho — ainda não vi o texto final do Relator, S.Exa. poderia esclarecer — ter retirado a obrigatoriedade de abrir um escritório da Defensoria Pública em cada comarca do Brasil. Ora, Sr. Presidente, no interior da Bahia não há dinheiro para pagar um salário digno a um delegado. Em algumas comarcas não há delegado de carreira. É importante, sim, haver o Defensor Público, mas existem muitas coisas mais importantes a serem feitas. É importante um professor bem remunerado. Estamos atendendo aos lobbies. Ontem aprovamos um salário de 19 mil reais para o delegado, maior do que de um oficial general do Exército, maior do que de um professor catedrático da universidade, 10 vezes maior do que o do médico.


Sou Deputado e não posso concordar com isso. Não vou destruir o acordo de Líderes. Votem, aprovem e fiquem com isso na consciência: Não estamos decidindo a favor do povo brasileiro. Muito obrigado. (Palmas. )"


Críticas breves ao comentário inflamado e totalmente descontextualizado do Nobre Deputado.

Sim, há graves distorções no sistema político e remuneratório brasileiro. Um médico ganhar menos que um servidor nível médio, de um Tribunal, é vergonhoso. Não há professores em número suficiente para atender todas as nossas escolas. Esses são problemas graves. Mas qual a importância deles em frente à autonomia da Defensoria?


Digo isso porque, apesar de frisar, constantemente, a desnecessidade de autonomia para outras instituições, com exceção do Legislativo, o deputado levanta contradições absurdas.


Se o Brasil não tivesse um Ministério Público eficiente e desvinculado, JAMAIS ocorreria um caso similar ao do Mensalão, com vários políticos respondendo na Justiça por uso de verbas públicas, desvio do dinheiro das "criancinhas" para os "lobbistas". O próprio deputado foi alvo de "denúncias" nesse sentido, como confirma um periódico de bastante renome (clique aqui).


O problema notório é que, com a autonomia, com projeto de lei, a Defensoria falará em nome dos desamparados. E, com tal força, ela pode, muito bem, ir contra o interesse das minorias elitistas, para buscar assegurar a defesa daqueles que não tem como ir ao Judiciário.


O que o Ministério Público faz excepcionalmente, a Defensoria faz diariamente.

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Mais matérias sobre este assunto, nos seguintes links:





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Para conhecer mais sobre as Defensorias Públicas, clique nos seguintes endereços eletrônicos:


- Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP)

- Defensoria Pública da União (DPU)

- Defensoria Pública do Distrito Federal (CEAJUR-DF)

- Defensorias Públicas Estaduais: [RJ] [SP] [PE] [SE] [RS] [PR] [PA] [CE] [BA]
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Bom, se vc gostou dessa matéria, comente abaixo!! Quem sabe eu não escrevo mais alguns posts sobre outros assuntos jurídicos!

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