quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Quer pagar quanto por um pedacinho do céu? E por um pedação na terra?



Não é de hoje que se usa o nome de santidades para se angariar bens. Desde época remotas, a utilização da retórica da divindade legitima governos ditatoriais, guerras e violações a todos os seres humanos.

O que há de novo, nesse cenário todo, é a capitalização, que imprime novas nuanças a esse recurso de autoridade, pois não se busca, apenas, uma melhor vida no pós-morte, mas se quer uma melhor vida agora, mais bens agora, uma TV de plasma na cozinha e um carro esportivo para dar pro filho. Ou, ao menos, um Nintendo Wii.

A fé tola, ignorante e desarrazoada, calcada em necessidades mundanas prementes, move montanhas de pessoas, todas ludibriadas por eventuais lucros próximos, bastando "dar algo" para se receber muito de volta. Deus, para estas Igrejas-entidades bancárias, torna-se um grande Banco de Investimento, com lucros mais certeiros que a poupança, bastando despejar dinheiro (o máximo que cada um puder) para que retorne mais e muito mais. E, como todo grande banco que se respeite, há os agentes financeiros no mercado.

Há tempos escrevi sobre um desses agentes financeiros, que estava concluindo uma casa singela, e que move uma empresa gigantesca de Igrejas. Não se nega que a religião pode, sim, ser um aditivo na vida de uma pessoa, em seu crescimento interior e exterior. São inúmeros os relatos de pessoas que melhoraram de vida graças a sua Igreja.

Porém, há o outro lado, de pessoas que se arruinaram graças a dízimos, bençãos, doações e inúmeros outros favores concedidos para tais entidades. A Justiça possui inúmeros precedentes de ruína pessoal derivada de uma manipulação de massas (apenas exemplificando, veja aqui e aqui). Ou seja, nada deve ser levado a medidas extremadas, pois há práticas que, ainda que façam bem aos outros, dão a impressão de estranheza, aos leigos e alijados desses movimentos, e causam, de forma efetiva, violação a direitos de pessoas carentes.

E, retomando a temática, posto um artigo de autoria de Luiz Carlos Damasceno Jr., veiculado no Teoria da Conspiração, em que ele nos conta como foi a sua (breve) experiência na Igreja Universal do Reino de Deus. E o quanto essa tática mercadológica pode ser recompensadora, em vários sentidos.



Vendendo a alma a Deus

Todo mundo sabe que vender a alma para o diabo não é um bom negócio. Você está na pior, endividado, passando fome e sem perspectivas. O demônio surge lhe oferecendo uma melhora de vida substancial, dinheiro vivo, mulheres em abundância, casa, piscina e champagne liberado em troca de uma única assinatura. Você assina, mal sabendo que acaba de vender sua alma ao demônio, e que só vai reencontrá-la no inferno. Menos mal que ainda tenha toda a vida terrena para aproveitar, antes de passar o resto da eternidade em algum círculo de Dante.

Agora imagine se ao invés de lhe dar prontamente uma vida melhor, o diabo pedir um sacrifício, uma doação espontânea e de coração, de uma quantia em dinheiro que certamente irá lhe fazer falta. Você resiste, mas ele bate o pé e diz que este é o desafio que terá de cumprir se quiser ter um retorno material abundante. Soa como um absurdo? Pois é assim que o Deus da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) concede graças aos fiéis. Ele cobra, determina prazos, afirma que se o desafio for mantido, sua vitória será inevitável e nada ficará no seu caminho. “Arrasador”, murmura ele ao pé do ouvido.

Tudo bem, você diz. Afinal, Deus é Deus, dá pra confiar. O problema é que nos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus não é ele quem fala, mas gente de carne e osso. São os pastores que pedem seu dinheiro, tentam convencê-lo que as notas guardadas no seu bolso são sujas e não lhe pertencem. Abra mão delas e o caminho da salvação se lançará a sua frente. Diluídos na massa de fiéis, todos são cobrados igualmente, convocados a provar sua fé mediante pagamento à vista. E a maioria paga. À vista dos olhos atentos do pastor.

O Império da Fé


A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundada em 9 de julho de 1977 no Rio de Janeiro pelo Sr. Edir Macedo, então pastor da igreja evangélica Nova Vida. Dez anos depois de se converter ao pentecostalismo, Macedo abandonou a igreja, abriu oficialmente as portas da IURD em um pequeno local do subúrbio carioca e se autoproclamou bispo. Nos primeiros anos de culto sua igreja apenas sobrevivia, até que uma fiel vendeu um terreno e doou o dinheiro para os cofres da igreja. Edir Macedo usou o capital para comprar 10 minutos diários na rádio Metropolitana.

A palavra de Edir Macedo propagada pelas ondas de rádio logo daria início à igreja que atualmente mais cresce no mundo. Quase trinta anos depois do primeiro culto, o fundador da Universal é dono de dois jornais com tiragem superior a um milhão de exemplares, trinta rádios e uma rede nacional de tv. Cerca de seis milhões de fiéis freqüentam as reuniões em algum dos mais de dois mil templos espalhados por todo o país, e nas últimas eleições trinta e quatro deputados se elegeram sob a tutela da IURD.

Em Porto Alegre fica a sede estadual da IURD no RS, conhecida como Templo Maior ou Catedral da Fé. Além deste, há muitos outros espalhados pela cidade. Há sedes regionais, que se localizam nos principais bairros de Porto Alegre e coordenam as igrejas locais, que atendem comunidades pequenas e localizadas. Todos os templos da cidade respondem à sede de Júlio de Castilhos, e este à sede nacional, a Catedral da Fé em São Paulo. Há ainda uma sede mundial, em Del Castilho, no Rio de Janeiro, para qual todos os templos do mundo devem prestar contas, direta ou indiretamente.

A Igreja Universal é um fenômeno inegável e sua crescente influência política e midiática tem papel fundamental na disseminação da igreja por todo o Brasil e o mundo. Mas as transmissões pelas tvs, os pronunciamentos de rádio e os textos nos jornais não dizem mais do que uma ínfima parte do que realmente significa ser fiel da Universal. Ter a fé verdadeira, a “fé inteligente” são conceitos que o público só conhece quando entra nos templos em horário de culto.

A “fé inteligente” é uma expressão cunhada por Edir Macedo, que significa uma crença que não se baseia no emocional, mas em uma força sobrenatural apoiada por experiências reais. Nos cultos e na tv é comum o pastor se referir ao público pedindo-lhe para não se deixar mover pelo sentimento, demonstrando assim “atitudes de fé verdadeira”. Em boas palavras, assinar um cheque de 1000 reais no momento em que o pastor pede, com a consciência do retorno garantido daquele dinheiro multiplicado pelo tamanho da fé com que foi depositado, é um belo exemplo de uma atitude assim. Há uma estranha inversão de parâmetros aqui, quando normalmente o que deve impedir uma pessoa de doar seu dinheiro espontaneamente para fundos escusos é a razão, os pastores dizem que é a emoção, o que confere um ar de irracionalidade ao indivíduo que prefere ficar com o próprio dinheiro.

Para compreender este e outros conceitos, os pilares de pregação da IURD, os meios pelos quais a Universal age e cresce tão vertiginosamente, não é recomendado ficar parado. Se a IURD ganha mais terreno a cada dia, é porque tem dinheiro para se expandir, se tem dinheiro, é porque as pessoas doam, e se doam mesmo passando por toda sorte de dificuldades na vida, tem de haver um motivo. Fui à sede de Júlio de Castilhos nos dias de maior movimento e pude olhar nos olhos dos desesperados e necessitados que oram, clamam e dão tudo o que têm para abastecer os cofres dos templos.

Aula de Marketing com a Universal


Um dos diferenciais da Igreja Universal é a realização de cultos segmentados. Cada dia da semana é destinado a atingir um público. Nas palavras do pastor Maurício, “é para permitir que todos alcancem Jesus. Se não fizéssemos cultos para cada grupo, atingiríamos sempre o mesmo público, deixando de lado os que precisam de uma reunião mais voltada às suas necessidades”. O Congresso Empresarial é uma reunião voltada para comerciantes, empresários e pessoas com problemas financeiros em geral. Acontece na segunda-feira sob os cuidados do pastor Israel e é altamente propagandeado durante todo fim de semana pelos canais da Universal. No culto, Israel guia as orações dos 318 pastores presentes, determinando a vitória e o sucesso financeiro da platéia.

Era segunda-feira, entrei um pouco acuado pelo tamanho da estrutura interna do templo. Ao chegar, há uma espécie de lobby, uma ante-sala onde os freqüentadores conversam entre si ou recebem orientações dos pastores antes do início do culto. Ali ficam portas de vidro para o local real de celebração, uma enorme sala com incontáveis fileiras de bancos dispostos em conjuntos que cortam a sala verticalmente, todas obviamente de frente para o altar, que fica elevado a pouco mais de um metro e meio do chão. Cinco mil assentos compõem o espaço para o público.

Às sete o movimento parecia fraco, mas o congresso empresarial é dia de casa cheia. Aos poucos chegam os fiéis, alguns de terno, carregando maletas, vindos direto do trabalho. Outros mais à vontade, vestindo roupas casuais e acompanhados da mulher e por vezes dos filhos. Antes do início do culto, os pastores correm as fileiras, parando para conversar com aquele senhor com cara de comerciante, o marido cheio de dívidas na loja ou a mulher com jeito de empresária. Neste dia, o público se distingue por ser mais bem arrumado, é a nata da Universal. Sentado, vendo a dedicação das centenas de pastores em ceder seu tempo e sua lábia para aconselhar os presentes, não é difícil de perceber que o congresso é um dia especial para a Universal.

Sete e meia em ponto começa o show. A multidão aglomerada nos lugares próximos do altar, cerca de três mil distribuídos pela igreja, se levanta e começa a bater palmas para a entrada triunfal do pastor, que chega aos gritos de “Palmas para Jesus!”. Israel fala alto no microfone, gesticula com força, se move constantemente e impõe-se de forma admirável, sua presença de palco é digna de um líder das massas. Nas palavras do próprio: “Se eu entrar aqui murcho, desanimado, fazer uma reunião monótona alguém vai me respeitar? Alguém vai acreditar que Jesus está em mim?”

Há algum tempo circula na Internet um vídeo gravado por um ex-pastor em que e o Bispo Macedo orienta um grupo de pastores sobre como devem atuar. Você não pode baixar a cabeça, diz ele, tem que ser um herói para o povo. E na igreja universal os pastores são mesmo ídolos, astros respeitados e obedecidos, porta-vozes inquestionáveis da palavra de Deus. A necessidade de reforçar a autoridade sobre o fiel é visível durante todo o culto. “Tá ligado?”, o pastor grita, sempre no fim de uma afirmação, ao que o público responde com dois aplausos, demonstrando atenção e obediência.

“É certo gente, a pessoa vir ao culto todos os dias, orar, participar da reunião e não ofertar?”
Não! O coro foi emblemático. Os fiéis sabem, estar na Universal e não ofertar não é certo, mas ir aos cultos e não dizimar é o mesmo que enxugar gelo no sereno. Não funciona. O público é lembrado a toda hora da importância de ofertar, pois é dando que se recebe. Recebe bênçãos. O dinheiro deve ser usado na sustentação da obra de Deus, além de servir de prova de fé. Quem se sacrifica, dando seu dinheiro à Igreja, o faz para provar que acredita no poder de Deus. E crê que ele vai mudar sua vida, para melhor. “Cada trocado será dobrado”, diz o pastor sempre, anunciando o melhor negócio do século, trocar dinheiro por mais dinheiro.

Ao contrário do que acontece na igreja católica, a bênção prometida a quem participa ativamente da reunião da Universal e oferta sempre que possível não é de ordem espiritual. A grande vantagem da IURD sobre as demais religiões cristãs é a promessa do retorno garantido de suas preces ainda na terra. É muito raro ouvir pregações sobre a salvação espiritual ou o fim dos dias nos templos da Igreja de Edir Macedo. Pelo contrário, os pastores sempre pedem ao fiel que desafie Deus a tirá-lo da miséria imediatamente.

Há um momento do culto de segunda-feira em que os 318 pastores se reúnem em cima do altar, e aos gritos, de olhos e punhos cerrados, convocam o público a gritar com Deus. O enorme templo vibra com a exasperação das pessoas em furor. De todos os lados se ouvem gritos de ódio e de súplica. Ao meu lado, em um dos três congressos empresariais que visitei, havia um senhor que gritava: “quero parar de sofrer! Não agüento mais ser humilhado! Minha empresa não anda, minhas dívidas não acabam!”

O desespero das pessoas que freqüentam a Universal é evidente, um outro senhor segurava trêmulo o envelope do dízimo vazio enquanto o pastor pedia que os fiéis fossem entregar sua parte. Três é o número de vezes em que se pede dinheiro em um dia normal de culto na Universal. Logo no início, é requisitado o dízimo. Dez por cento de tudo que o fiel tiver conseguido durante a semana. Nos seis dias em que freqüentei a igreja, de 60 a 70% do público foi com o envelope na mão em direção ao altar, confirmando a situação de dizimista.

No congresso empresarial, cada vez que o pastor pede uma oferta espontânea além do dízimo, uma outra multidão atende ao pedido. É difícil de acreditar mas Israel sempre começa a rodada pedindo uma doação de mil reais ao público. Normalmente uma ou duas pessoas assinam um cheque na hora e entregam a quantia ao pastor. Em seguida o teto fica mais baixo; 500, 400, 300, 200, no final o pastor aceita qualquer moeda, mas não sem antes ter garantido muito dinheiro para a obra de Deus. Ao meu lado um pai de família assinou um cheque de 200 reais, sem hesitar. Israel grita, estimulando os fiéis a darem tudo que possuem consigo “Eu sei, senhor Jesus, que isso é uma vergonha, mas um real é tudo o que eu tenho! E eu vou te dar, porque eu quero que essa situação mude, não quero mais ser esse derrotado, andar com essa miséria na carteira! Eu quero vencer!”.

O segredo da universal é tratar dos males terrenos oferecendo soluções terrenas, dinheiro para quem precisa de dinheiro, família para quem precisa de família. E principalmente em atribuir as desgraças e infortúnios das pessoas a fatores externos, eximindo-as de qualquer culpa. Os fiéis da universal são pobres coitados, pessoas que precisam de ajuda, mas que não admitem ter cometido erro algum a não ser o de ter dado abertura a encostos pela falta de fé. O público é dominado, assiste a um espetáculo regido pelos pastores, um show convincente, com sessões de exorcismo semanais e testemunhos de fiéis bem sucedidos.

A Universal cresce pois usa a linguagem do povo. E em um mundo regido pela cruel lógica do mercado, talvez não seja tão absurda a idéia de pagar pelas bênçãos de Deus. A IURD é uma empreitada bem organizada, os cultos são segmentados para garantir o fluxo de dinheiro diário de cada público, jovens, empresários, solitários, desesperados e famílias. O segredo do sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus é oferecer pronto atendimento às necessidades do povo, ao invés de fazê-lo trilhar por caminhos tortuosos rumo a uma salvação espiritual abstrata e distante da realidade que envolve os fiéis. Quando perguntado sobre o crescimento da Universal, o pastor Maurício me respondeu: “Nós somos os únicos que ouvimos o clamor do povo”. Não deixa de ser verdade.

Um comentário:

Bela Alvez disse...

¬¬ aff.. fala serio essa coisa que vcs publicaram.. ridicula