sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Polícia para quem precisa

Confronto entre policiais em São Paulo




A mais nova manchete brasileira no exterior, como se pode verificar clicando aqui, é a nossa polícia.

Se a censura do filme "Tropa de Elite" poderia ser injustificada ou exagerada, o fato é que, no dia a dia, nossos policiais são bem melhores. Ontem (16.10.2008), policiais civis em greve realizaram uma passeata em São Paulo, até a sede do Governo Estadual, reivindicando melhorias salariais, até que se encontraram com uma barreira formada por policiais militares.

Nesse momento, com a finesse peculiar das categorias, começou um grande embate, movido a bombas de efeito moral, balas de borracha, muita fumaça e, no meio disso, uma bala de .40, que acertou em cheio um coronel.

Uma solução pacífica não seria a mais adequada? Com toda a certeza. O único problema é que essa solução, em um estado policialesco como se tornou São Paulo, é de todo impensada. A polícia faz o que bem entende e seus atos exorbitantes não sofrem qualquer punição, pois são justificados na "repressão ao crime".

Agora, quando duas feras descontroladas se encontram, além de todo estardalhaço, é previsível que ambas saiam bastante feridas. E, nisso tudo, a população nada mais pode fazer que rezar para que suas escolhas políticas sejam eficientes nisso, uma faceta não tão usual da criminalidade: o embate (físico e estrondoso) entre instituições que possuem índole ditatorial.

Para mais informações, veja:

Policiais civis e militares entram em confronto em São Paulo
Protesto de policiais em São Paulo foi um tiro no pé
Coronel ferido em confronto foi alvejado por bala de pistola

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Para não chover não molhado... O portugues nosso de cada dia



A(na)LFABETIZAÇÃO


"Pesquisa Datafolha realizada em dez cidades mostra que maioria dos brasileiros prefere assistir aos filmes dublados"

Folha de S.Paulo
edição de 29.8.2008


A notícia acima é bastante sintomática. Que explicação você dá a ela ?

Eu, de mim, como diz o amigo Ranulfo, informo que, há muitos anos atrás, quando eu ainda tinha paciência para lecionar, costumava entregar aos alunos de Direito, no primeiro dia de aula, uma folha que dizia mais ou menos o seguinte :

" - Leia com atenção a presente folha e depois faça o que está determinado -

a) Qual o seu nome ? _____________________________
b) A que turma da Faculdade você pertence ?___________________
c) Se você for canhoto, levante a mão esquerda.
d) Se você for destro, levante a mão direita.
e) Se você não for paulista fique de pé.
f) Se você for corinthiano, dê um giro sem sair do lugar.
g) Se você for do sexo feminino dê um gritinho.

Agora que você já leu tudo, atenda apenas ao contido nas letras a) e b), não levando em consideração o contido nas demais letras."

É fácil imaginar a cara dos apressados que, antes de ler todo o conteúdo da página, como lhes havia sido determinado, tinham ficado de pé ou dado rodopio ou gritinhos.

Desnecessário esclarecer que a finalidade da proposta não era a de humilhar os alunos, mas, sim, mostrar a eles a diferença que há entre ler e assimilar o que se lê. Ler procurando entender o que se lê. A maioria das pessoas que se considera alfabetizada não aprendeu a desenvolver o senso crítico. Passam os olhos em um texto e depois não conseguem resumir aquilo que leram. Estão efetivamente alfabetizados ? Isso é culpa deles ?

As escolas, de modo geral, transmitem aos alunos a idéia de que as matérias a serem por eles aprendidas são um castigo a que foram eles condenados sem que saibam o motivo. "Fazer conta ? Pra quê, se já tem calculadora ?" Usar o verbo haver, nem pensar. "Aprender gramática ? Pra que se a gente já sabemos se comunicar ?" O pronome nós é menos pronunciado do que muita palavra de baixo calão. Se é que hoje ainda existem as outrora chamadas palavras de baixo calão.

Certo juiz enviara o motorista do fórum para buscar o filho que sairia da escola dali a pouco e o serviço excessivo do magistrado não permitiria ao pai cumprir pessoalmente o seu dever. Trazido o garoto ao fórum, o pai lhe pergunta como se saiu na prova de português. "Acho que se fudi" foi o que o pai e seus colegas ouviram. Não cito nomes porque parece que o garoto agora também é magistrado.

Vi e ainda vejo, por força da profissão, advogados incapazes de desenvolver uma argumentação lógica e razoável. Ora, a atividade dos profissionais da advocacia é eminentemente lógica. Ela trabalha com o silogismo. E tocava explicar a meus alunos o que é isso.

O silogismo, dizia-lhes eu, utiliza dois conceitos : um geral e um particular. Ou, dito de outra forma, um genérico e um específico. A primeira idéia é genérica : por exemplo, "nosso país tem um Código de Defesa do Consumidor". A segunda idéia é específica : "eu sou consumidor". Daí surge a conclusão : "o Código do Consumidor se aplica às compras que eu faço".

Tecnicamente, dizemos que o silogismo compreende três afirmações : a premissa maior (a afirmação genérica), a premissa menor (a afirmação específica) e a conclusão lógica. O profissional do Direito, principalmente mas não só ele, deve prestar muita atenção nisso, para não ser vítima (ou cometer) um sofisma, que é um falso silogismo. E punha no quadro negro estas afirmações :

"a) Todos os gatos têm bigode (premissa maior);
b) Janjão tem bigode (premissa menor);
c) Logo, Janjão é... ?"

E escrevia, depois de uma estratégica pausa : "Janjão é meu tio (conclusão lógica)."

A essa altura, diante do murmúrio dos alunos, eu desafiava a classe a descobrir o que saíra errado, transformando-se um silogismo num sofisma. Discutem de cá, discutem de lá e vinha a explicação : a premissa maior não disse que "todos os gatos e só os gatos têm bigode". Logo, ficou aberta a possibilidade de que os cães, as focas e meu tio fossem incluídos na premissa menor.

Por que faço essas considerações prévias ? Explico.

Os meios de comunicação, em especial jornal e TV, utilizam, no geral, um caçanje. Que é isso ? Era a designação do português falado pelos escravos trazidos para o Brasil. Posteriormente, a palavra passou a aplicar-se para designar o português mal falado. Por exemplo, em bom português, a frase que aparece acima do texto deveria dizer "a maioria prefere", mas, imitando o modo sintético de escrever dos jornalistas norte-americanos, seus colegas brasileiros atropelam a língua, eliminando, no caso, o necessário artigo.

Vem aí a tal reforma ortográfica. Onde as pessoas vão reaprender a escrever ? Se muitas delas não lêem (usemos o chapéu até 31 de dezembro) livros, nem revistas, nem jornais, o letreiro dos filmes é uma fonte de aprendizado quase obrigatória. Pois, ao mesmo tempo em que se oficializa a tal reforma, depois de quase 20 anos de ter sido ela decidida pelos países lusófonos, cogita-se de dublar os filmes estrangeiros. Qual o benefício disso para a população ?

Nos programas de rádio e de televisão, nos quais em geral não há um trabalho de revisão, ouvem-se barbaridades, coisa que os gramáticos chamam de solecismos. Logo logo algumas dessas barbaridades passam a ser repetidas por pessoas que não sabem ou não gostam de ler. Ou não têm senso crítico. Narrador de futebol dizendo que o jogador estava "com-ple-ta-men-te impedido" ouve-se a todo instante, como se algum jogador pudesse vir a estar "par-ci-al-men-te impedido". Se essas pessoas não têm o hábito de ler, aprender o certo como ? Ouvindo filme dublado ?

Pois, por incrível que pareça, há exceções. Além de inúmeros programas que se dispõem a ensinar a Língua Portuguesa, um dos quais apresentado pelo músico e escritor Tony Bellotto, que o faz numa linguagem nada sofisticada, descobri um humorista que simplesmente dá uma aula de Português em um show comum, abordando, para fazer o público rir, nada menos do que o Pleonasmo (clique aqui).

Inúmeras tautologias apontadas por ele são cometidas, um pouco mais, um pouco menos, por todos nós diariamente. Aquele show é, quando menos, uma ótima ocasião para um mea culpa de muitos de nós.

Aliás, eu mesmo, propositadamente, coloquei um evidente pleonasmo no texto que se acaba de ler, apenas para permitir um comentário jocoso de algum leitor mais atento com um colega de leitura, do tipo : "Viu só ? Façam o que eu digo mas não façam o que eu faço".

Será você esse leitor ?



De autoria de Adauto Suannes, retirado do site Migalhas



Quer pagar quanto por um pedacinho do céu? E por um pedação na terra?



Não é de hoje que se usa o nome de santidades para se angariar bens. Desde época remotas, a utilização da retórica da divindade legitima governos ditatoriais, guerras e violações a todos os seres humanos.

O que há de novo, nesse cenário todo, é a capitalização, que imprime novas nuanças a esse recurso de autoridade, pois não se busca, apenas, uma melhor vida no pós-morte, mas se quer uma melhor vida agora, mais bens agora, uma TV de plasma na cozinha e um carro esportivo para dar pro filho. Ou, ao menos, um Nintendo Wii.

A fé tola, ignorante e desarrazoada, calcada em necessidades mundanas prementes, move montanhas de pessoas, todas ludibriadas por eventuais lucros próximos, bastando "dar algo" para se receber muito de volta. Deus, para estas Igrejas-entidades bancárias, torna-se um grande Banco de Investimento, com lucros mais certeiros que a poupança, bastando despejar dinheiro (o máximo que cada um puder) para que retorne mais e muito mais. E, como todo grande banco que se respeite, há os agentes financeiros no mercado.

Há tempos escrevi sobre um desses agentes financeiros, que estava concluindo uma casa singela, e que move uma empresa gigantesca de Igrejas. Não se nega que a religião pode, sim, ser um aditivo na vida de uma pessoa, em seu crescimento interior e exterior. São inúmeros os relatos de pessoas que melhoraram de vida graças a sua Igreja.

Porém, há o outro lado, de pessoas que se arruinaram graças a dízimos, bençãos, doações e inúmeros outros favores concedidos para tais entidades. A Justiça possui inúmeros precedentes de ruína pessoal derivada de uma manipulação de massas (apenas exemplificando, veja aqui e aqui). Ou seja, nada deve ser levado a medidas extremadas, pois há práticas que, ainda que façam bem aos outros, dão a impressão de estranheza, aos leigos e alijados desses movimentos, e causam, de forma efetiva, violação a direitos de pessoas carentes.

E, retomando a temática, posto um artigo de autoria de Luiz Carlos Damasceno Jr., veiculado no Teoria da Conspiração, em que ele nos conta como foi a sua (breve) experiência na Igreja Universal do Reino de Deus. E o quanto essa tática mercadológica pode ser recompensadora, em vários sentidos.



Vendendo a alma a Deus

Todo mundo sabe que vender a alma para o diabo não é um bom negócio. Você está na pior, endividado, passando fome e sem perspectivas. O demônio surge lhe oferecendo uma melhora de vida substancial, dinheiro vivo, mulheres em abundância, casa, piscina e champagne liberado em troca de uma única assinatura. Você assina, mal sabendo que acaba de vender sua alma ao demônio, e que só vai reencontrá-la no inferno. Menos mal que ainda tenha toda a vida terrena para aproveitar, antes de passar o resto da eternidade em algum círculo de Dante.

Agora imagine se ao invés de lhe dar prontamente uma vida melhor, o diabo pedir um sacrifício, uma doação espontânea e de coração, de uma quantia em dinheiro que certamente irá lhe fazer falta. Você resiste, mas ele bate o pé e diz que este é o desafio que terá de cumprir se quiser ter um retorno material abundante. Soa como um absurdo? Pois é assim que o Deus da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) concede graças aos fiéis. Ele cobra, determina prazos, afirma que se o desafio for mantido, sua vitória será inevitável e nada ficará no seu caminho. “Arrasador”, murmura ele ao pé do ouvido.

Tudo bem, você diz. Afinal, Deus é Deus, dá pra confiar. O problema é que nos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus não é ele quem fala, mas gente de carne e osso. São os pastores que pedem seu dinheiro, tentam convencê-lo que as notas guardadas no seu bolso são sujas e não lhe pertencem. Abra mão delas e o caminho da salvação se lançará a sua frente. Diluídos na massa de fiéis, todos são cobrados igualmente, convocados a provar sua fé mediante pagamento à vista. E a maioria paga. À vista dos olhos atentos do pastor.

O Império da Fé


A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundada em 9 de julho de 1977 no Rio de Janeiro pelo Sr. Edir Macedo, então pastor da igreja evangélica Nova Vida. Dez anos depois de se converter ao pentecostalismo, Macedo abandonou a igreja, abriu oficialmente as portas da IURD em um pequeno local do subúrbio carioca e se autoproclamou bispo. Nos primeiros anos de culto sua igreja apenas sobrevivia, até que uma fiel vendeu um terreno e doou o dinheiro para os cofres da igreja. Edir Macedo usou o capital para comprar 10 minutos diários na rádio Metropolitana.

A palavra de Edir Macedo propagada pelas ondas de rádio logo daria início à igreja que atualmente mais cresce no mundo. Quase trinta anos depois do primeiro culto, o fundador da Universal é dono de dois jornais com tiragem superior a um milhão de exemplares, trinta rádios e uma rede nacional de tv. Cerca de seis milhões de fiéis freqüentam as reuniões em algum dos mais de dois mil templos espalhados por todo o país, e nas últimas eleições trinta e quatro deputados se elegeram sob a tutela da IURD.

Em Porto Alegre fica a sede estadual da IURD no RS, conhecida como Templo Maior ou Catedral da Fé. Além deste, há muitos outros espalhados pela cidade. Há sedes regionais, que se localizam nos principais bairros de Porto Alegre e coordenam as igrejas locais, que atendem comunidades pequenas e localizadas. Todos os templos da cidade respondem à sede de Júlio de Castilhos, e este à sede nacional, a Catedral da Fé em São Paulo. Há ainda uma sede mundial, em Del Castilho, no Rio de Janeiro, para qual todos os templos do mundo devem prestar contas, direta ou indiretamente.

A Igreja Universal é um fenômeno inegável e sua crescente influência política e midiática tem papel fundamental na disseminação da igreja por todo o Brasil e o mundo. Mas as transmissões pelas tvs, os pronunciamentos de rádio e os textos nos jornais não dizem mais do que uma ínfima parte do que realmente significa ser fiel da Universal. Ter a fé verdadeira, a “fé inteligente” são conceitos que o público só conhece quando entra nos templos em horário de culto.

A “fé inteligente” é uma expressão cunhada por Edir Macedo, que significa uma crença que não se baseia no emocional, mas em uma força sobrenatural apoiada por experiências reais. Nos cultos e na tv é comum o pastor se referir ao público pedindo-lhe para não se deixar mover pelo sentimento, demonstrando assim “atitudes de fé verdadeira”. Em boas palavras, assinar um cheque de 1000 reais no momento em que o pastor pede, com a consciência do retorno garantido daquele dinheiro multiplicado pelo tamanho da fé com que foi depositado, é um belo exemplo de uma atitude assim. Há uma estranha inversão de parâmetros aqui, quando normalmente o que deve impedir uma pessoa de doar seu dinheiro espontaneamente para fundos escusos é a razão, os pastores dizem que é a emoção, o que confere um ar de irracionalidade ao indivíduo que prefere ficar com o próprio dinheiro.

Para compreender este e outros conceitos, os pilares de pregação da IURD, os meios pelos quais a Universal age e cresce tão vertiginosamente, não é recomendado ficar parado. Se a IURD ganha mais terreno a cada dia, é porque tem dinheiro para se expandir, se tem dinheiro, é porque as pessoas doam, e se doam mesmo passando por toda sorte de dificuldades na vida, tem de haver um motivo. Fui à sede de Júlio de Castilhos nos dias de maior movimento e pude olhar nos olhos dos desesperados e necessitados que oram, clamam e dão tudo o que têm para abastecer os cofres dos templos.

Aula de Marketing com a Universal


Um dos diferenciais da Igreja Universal é a realização de cultos segmentados. Cada dia da semana é destinado a atingir um público. Nas palavras do pastor Maurício, “é para permitir que todos alcancem Jesus. Se não fizéssemos cultos para cada grupo, atingiríamos sempre o mesmo público, deixando de lado os que precisam de uma reunião mais voltada às suas necessidades”. O Congresso Empresarial é uma reunião voltada para comerciantes, empresários e pessoas com problemas financeiros em geral. Acontece na segunda-feira sob os cuidados do pastor Israel e é altamente propagandeado durante todo fim de semana pelos canais da Universal. No culto, Israel guia as orações dos 318 pastores presentes, determinando a vitória e o sucesso financeiro da platéia.

Era segunda-feira, entrei um pouco acuado pelo tamanho da estrutura interna do templo. Ao chegar, há uma espécie de lobby, uma ante-sala onde os freqüentadores conversam entre si ou recebem orientações dos pastores antes do início do culto. Ali ficam portas de vidro para o local real de celebração, uma enorme sala com incontáveis fileiras de bancos dispostos em conjuntos que cortam a sala verticalmente, todas obviamente de frente para o altar, que fica elevado a pouco mais de um metro e meio do chão. Cinco mil assentos compõem o espaço para o público.

Às sete o movimento parecia fraco, mas o congresso empresarial é dia de casa cheia. Aos poucos chegam os fiéis, alguns de terno, carregando maletas, vindos direto do trabalho. Outros mais à vontade, vestindo roupas casuais e acompanhados da mulher e por vezes dos filhos. Antes do início do culto, os pastores correm as fileiras, parando para conversar com aquele senhor com cara de comerciante, o marido cheio de dívidas na loja ou a mulher com jeito de empresária. Neste dia, o público se distingue por ser mais bem arrumado, é a nata da Universal. Sentado, vendo a dedicação das centenas de pastores em ceder seu tempo e sua lábia para aconselhar os presentes, não é difícil de perceber que o congresso é um dia especial para a Universal.

Sete e meia em ponto começa o show. A multidão aglomerada nos lugares próximos do altar, cerca de três mil distribuídos pela igreja, se levanta e começa a bater palmas para a entrada triunfal do pastor, que chega aos gritos de “Palmas para Jesus!”. Israel fala alto no microfone, gesticula com força, se move constantemente e impõe-se de forma admirável, sua presença de palco é digna de um líder das massas. Nas palavras do próprio: “Se eu entrar aqui murcho, desanimado, fazer uma reunião monótona alguém vai me respeitar? Alguém vai acreditar que Jesus está em mim?”

Há algum tempo circula na Internet um vídeo gravado por um ex-pastor em que e o Bispo Macedo orienta um grupo de pastores sobre como devem atuar. Você não pode baixar a cabeça, diz ele, tem que ser um herói para o povo. E na igreja universal os pastores são mesmo ídolos, astros respeitados e obedecidos, porta-vozes inquestionáveis da palavra de Deus. A necessidade de reforçar a autoridade sobre o fiel é visível durante todo o culto. “Tá ligado?”, o pastor grita, sempre no fim de uma afirmação, ao que o público responde com dois aplausos, demonstrando atenção e obediência.

“É certo gente, a pessoa vir ao culto todos os dias, orar, participar da reunião e não ofertar?”
Não! O coro foi emblemático. Os fiéis sabem, estar na Universal e não ofertar não é certo, mas ir aos cultos e não dizimar é o mesmo que enxugar gelo no sereno. Não funciona. O público é lembrado a toda hora da importância de ofertar, pois é dando que se recebe. Recebe bênçãos. O dinheiro deve ser usado na sustentação da obra de Deus, além de servir de prova de fé. Quem se sacrifica, dando seu dinheiro à Igreja, o faz para provar que acredita no poder de Deus. E crê que ele vai mudar sua vida, para melhor. “Cada trocado será dobrado”, diz o pastor sempre, anunciando o melhor negócio do século, trocar dinheiro por mais dinheiro.

Ao contrário do que acontece na igreja católica, a bênção prometida a quem participa ativamente da reunião da Universal e oferta sempre que possível não é de ordem espiritual. A grande vantagem da IURD sobre as demais religiões cristãs é a promessa do retorno garantido de suas preces ainda na terra. É muito raro ouvir pregações sobre a salvação espiritual ou o fim dos dias nos templos da Igreja de Edir Macedo. Pelo contrário, os pastores sempre pedem ao fiel que desafie Deus a tirá-lo da miséria imediatamente.

Há um momento do culto de segunda-feira em que os 318 pastores se reúnem em cima do altar, e aos gritos, de olhos e punhos cerrados, convocam o público a gritar com Deus. O enorme templo vibra com a exasperação das pessoas em furor. De todos os lados se ouvem gritos de ódio e de súplica. Ao meu lado, em um dos três congressos empresariais que visitei, havia um senhor que gritava: “quero parar de sofrer! Não agüento mais ser humilhado! Minha empresa não anda, minhas dívidas não acabam!”

O desespero das pessoas que freqüentam a Universal é evidente, um outro senhor segurava trêmulo o envelope do dízimo vazio enquanto o pastor pedia que os fiéis fossem entregar sua parte. Três é o número de vezes em que se pede dinheiro em um dia normal de culto na Universal. Logo no início, é requisitado o dízimo. Dez por cento de tudo que o fiel tiver conseguido durante a semana. Nos seis dias em que freqüentei a igreja, de 60 a 70% do público foi com o envelope na mão em direção ao altar, confirmando a situação de dizimista.

No congresso empresarial, cada vez que o pastor pede uma oferta espontânea além do dízimo, uma outra multidão atende ao pedido. É difícil de acreditar mas Israel sempre começa a rodada pedindo uma doação de mil reais ao público. Normalmente uma ou duas pessoas assinam um cheque na hora e entregam a quantia ao pastor. Em seguida o teto fica mais baixo; 500, 400, 300, 200, no final o pastor aceita qualquer moeda, mas não sem antes ter garantido muito dinheiro para a obra de Deus. Ao meu lado um pai de família assinou um cheque de 200 reais, sem hesitar. Israel grita, estimulando os fiéis a darem tudo que possuem consigo “Eu sei, senhor Jesus, que isso é uma vergonha, mas um real é tudo o que eu tenho! E eu vou te dar, porque eu quero que essa situação mude, não quero mais ser esse derrotado, andar com essa miséria na carteira! Eu quero vencer!”.

O segredo da universal é tratar dos males terrenos oferecendo soluções terrenas, dinheiro para quem precisa de dinheiro, família para quem precisa de família. E principalmente em atribuir as desgraças e infortúnios das pessoas a fatores externos, eximindo-as de qualquer culpa. Os fiéis da universal são pobres coitados, pessoas que precisam de ajuda, mas que não admitem ter cometido erro algum a não ser o de ter dado abertura a encostos pela falta de fé. O público é dominado, assiste a um espetáculo regido pelos pastores, um show convincente, com sessões de exorcismo semanais e testemunhos de fiéis bem sucedidos.

A Universal cresce pois usa a linguagem do povo. E em um mundo regido pela cruel lógica do mercado, talvez não seja tão absurda a idéia de pagar pelas bênçãos de Deus. A IURD é uma empreitada bem organizada, os cultos são segmentados para garantir o fluxo de dinheiro diário de cada público, jovens, empresários, solitários, desesperados e famílias. O segredo do sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus é oferecer pronto atendimento às necessidades do povo, ao invés de fazê-lo trilhar por caminhos tortuosos rumo a uma salvação espiritual abstrata e distante da realidade que envolve os fiéis. Quando perguntado sobre o crescimento da Universal, o pastor Maurício me respondeu: “Nós somos os únicos que ouvimos o clamor do povo”. Não deixa de ser verdade.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

"Entrevistas Fandárdicas" - Edgar Morrin

Edgar Morrin





Edgar Morrin é sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo. Idealizador (e profundo defensor) de uma reforma na educação, que a perpassa, para reformar o próprio pensamento. Em uma entrevista sensacional, expõe um pouco de suas teses, da complexidade nas ciências e nos fala de alguns problemas do ensino atual.


O senhor tem afirmado que a ciência é, e sempre será, uma aventura e que o conceito de ciência está se modificando. Como poderíamos conceituar a ciência hoje?

A ciência é uma aventura, pois não podemos prever o futuro, por isso esta concepção é verdadeira. Nós não podemos unificar o mundo da ciência. Hoje, por exemplo, a ciência não é somente a experiência, não é somente a verificação. A ciência necessita, ao mesmo tempo, de imaginação criadora, de verificação, de rigor e de atividade crítica. Se não há atividade crítica, não há ciência. É preciso diversidade de opiniões. Mas a ciência também necessita ter a regra do jogo, ou seja, certas teorias podem ser abandonadas quando percebemos que são insuficientes. Então, a ciência é uma realidade complexa e podemos dizer que é muito difícil definir as fronteiras da ciência. Digamos que, em geral, ela é alimentada pela preocupação de experimentar, de verificar todas as teorias que ela expressa. Mesmo que a teoria não possa ser definida de imediato, é preciso pelo menos ver a possibilidade de definí-la no futuro. Mas não há só a verificação, eu repito, porque é preciso criar a teoria; é preciso aplicar as construções expressas sobre a realidade e ver se a realidade as aceita. Eu acredito que, hoje, quando vemos as diferentes transformações na ciência física, na ciência biológica, nas ciências da Terra, na Cosmologia, temos a impressão que a ciência, de agora em diante, reconhece que seu problema é a complexidade. A ciência do passado pensou ter encontrado uma verdade simples, uma verdade determiniasta, uma verdade que reduz o Universo a algumas fórmulas. Hoje, nós sabemos que o desafio do mundo e da realidade é a complexidade. E, a meu ver, a ciência que vai se desenvolver no futuro é a ciência da complexidade.

O século XX pode ser caracterizado como o século da imagem. Em que medida esse fato mudou o imaginário dos seres humanos?

Todos sabemos que a imagem sempre esteve presente, sobretudo na antigüidade. Mas é verdade que, hoje, com os meios audiovisuais, com o cinema, ela se estabeleceu. O que eu acredito, a grande diferença, é que o cinema, por exemplo, dá o sonho coletivo. Ao invés de termos somente um sonho individual, nós vivemos um sonho coletivo. Por outro lado, nós nos reencontramos com as grandes tendências do imaginário; nos reencontramos com as grandes lendas, com os romances... Nos deparamos com os grandes problemas que vêm de encontro ao imaginário. O imaginário é a maneira de traduzir as aspirações das tragédias dos seres humanos. Mas nós o reencontramos sob uma nova forma.

Vivemos em uma época em que as tecnologias, que dão suporte à linguagem, estão reestruturando nossos modos de comunicação. Muitos vêem nessa mudança uma ameaça à subjetividade. Como o senhor vê essa questão?

Eu acredito que a subjetividade é uma questão que foi, por muito tempo, negada pela ciência. Mas hoje, cada vez mais, ela é reconhecida. E acho que todo questionamento é se as técnicas vão servir às subjetividades ou se as subjetividades vão se utilizar das técnicas. Isso é uma luta permanente que vai continuar. E nós esperamos que as subjetividades possam se utilizar das técnicas.

O senhor afirma que a cultura e a educação emergem das interações entre os seres humanos. Qual o papel da escola diante desta complexidade?

O papel da escola passa pela porta do conhecimento. É ajudar o ser que está em formação a viver, a encarar a vida. Eu acho que o papel da escola é nos ensinar quem somos nós; nos situar como seres humanos; nos situar na condição humana diante do mundo, diante da vida; nos situar na sociedade ; é fazer conhecermos a nós mesmos. E eu acho que a literatura tem o seu papel. O papel da educação é de nos ensinar a enfrentar a incerteza da vida; é de nos ensinar o que é o conhecimento, porque nos passam o conhecimento mas jamais dizem o que é o conhecimento. E o conhecimento pode nos induzir ao erro. Todo conhecimento do passado, para nós, são as ilusões. Logo, é preciso saber estudar o problema do conhecimento. Em outras palavras, o papel da educação é de instruir o espírito a viver e a enfrentar as dificuldades do mundo.

Como o senhor vê a relação ciência, imaginário e educação?

A ciência das descobertas científicas muitas vezes puderam realizar os mitos que a humanidade consagrou, como o mito de voar. Nós passamos a ter o avião, suas técnicas, e a ciência ajudou a desenvolvê-lo. A ciência, seja qual for, necessita da imaginação. Então, frequentemente essa imaginação é alimentada pelo nosso imaginário. Não podemos separar. Não existe uma inteligência fria e pura, unicamente lógica. A inteligência inclui as paixões, as emoções e também o imaginário. Conseqüentemente, quando pensamos em educação, se você não busca o imaginário na pintura, o imaginário no romance, o imaginário na poesia, você tem uma educação muito pobre. O imaginário se comunica com a realidade e a realidade se comunica com o imaginário. A educação deve garantir essa comunicação permanente.

Qual a impressão que o senhor tem da educação no Brasil ou na América do Sul?

E suponho que existam mais ou menos os mesmos problemas que encontramos nos países europeus. Vocês têm um sistema de educação que se baseia em antigas disciplinas, que são separadas. O que é preciso mudar é reunir essas disciplinas e conceber as novas ciências que são muito mais de agrupamento de disciplinas, como a Ecologia, como a Cosmologia, como a ciência da Terra. Mas eu acho que é um sistema que precisa ser profundamente reformulado, tanto na América Latina quanto na Europa.


Fonte: TVE Brasil