quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Redução da imputabilidade penal?

Somente reduzir resolve?
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Voltando aos temas criminológicos, vamos discutir, an passant, a redução da imputabilidade penal.


Em linhas gerais, a imputabilidade é a capacidade de alguém para ser-lhe aplicada uma pena. Ou seja, não é todo mundo que vai receber uma pena de privação de liberdade, pois ele pode não possuir essa capacidade, ser inimputável, como os que possuem demência mental, e, neste caso, devem receber outro tratamento, mais médico que criminal.


No Brasil, nós utilizamos um modelo de imputabilidade que adota tanto critérios subjetivos (capacidade mental), quanto objetivos (idade). O requisito etário é o de que apenas quem possui 18 anos pode cometer crimes e, portanto, receber penas. Quem possui idade inferior, não será tratado como criminoso, mas como, no máximo, adolescente infrator, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para melhor denotar o assunto, segue o seguinte artigo, de minha autoria. Apesar de possuir alguns termos técnicos, os argumentos presentes podem apresentar outros dados importantes nessa discussão, que ganha, cada dia, novos ares.

Assunto em voga atualmente, em razão de uma sensação de aumento da criminalidade, a redução da imputabilidade penal é um dos temas mais complexos da atual conjuntura da política criminal brasileira. Em que pesem os diversos argumentos jurídicos correlatos, como a (in)constitucionalidade dessa alteração etária, há óbices fáticos ao entendimento de que a redução da idade mínima para ser preso, ser considerado criminoso, venha a repercutir positivamente. A prisão, como meio ineficaz de reinserção social, a falsa aparência de aumento da criminalidade e a própria atuação estatal, em relação a eventuais criminosos, são elementos importantes nessa discussão.



A prisão, forma de punição oriunda do final da Idade Média, advinda em contraposição aos suplícios até então praticados, possui, em seu cerne, graves críticas[1]. Os gastos excessivos com a sua manutenção, a falta de proporcionalidade no castigo restritivo da liberdade e a falta de resultados fáticos objetivos – refletidos no alto número de casos de reincidência – são, além de elementos que retiram sua legitimidade, justificativas para a busca de outras formas de atuação estatal, mais eficazes e racionais.



Além desse fator, há, de maneira geral, uma ausência de critérios científicos quando se aborda o assunto da criminalidade. Em parte, a mídia contribui bastante para isso, ao inflamar sentimentos vingativos, ao mesmo tempo que requer atitudes sensatas das autoridades policiais. A diminuição da faixa etária, ao revés do decrescrimento, ocasionaria o aumento do número de crimes perpetrados, eis que, pela inclusão de mais pessoas como possíveis criminosos, maiores serão os números de crimes e, por conseqüência, maior será a criminalidade[2]. No momento em que uma conduta, antes lícita, passa a ser considerada ilícita, surge a criminalidade nesse ato e em todos os elementos que o cercam. Além do estigma daí oriundo, com o etiquetamento do status de criminoso no jovem, não haverá qualquer repercussão séria na principal causa do crime, no ordenamento vigente: a desigualdade social[3].

Para se combater o atual estado da criminalidade, é imperiosa a busca de medidas alternativas à prisão – substitutivos penais. A reinserção do adolescente na sociedade, por meio de ações estatais específicas que privilegiem a sua especial condição de ser em desenvolvimento e lhe dê meios de melhoria em sua vida, sem olvidar-se da necessidade de se diminuir as diferenças sociais, deve ser o objeto principal da política criminal[4]. Ao adolescente, envolto no mundo do crime, devem ser dados exemplos reais da possibilidade de atuação de modo não criminoso, a fim de se definir seu caráter da melhor forma possível.


Haja vista a peculiaridade dessa questão, é necessário humanizar o sistema penal brasileiro, com o esquecimento de preconceitos de índole social, a fim de se modificar o foco para as desigualdades sociais, razão principal da maioria dos crimes aqui perpetrados. Desse modo, com uma visão mais global do sistema, é possível uma maior atenção ao jovem desviante, delinqüente, como partícula essencial do meio social no qual está inserido e, via reflexa, agente modificador importantíssimo da sociedade.




Notas do texto:


[1] Maiores críticas à prisão, veja-as em FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: história de violência nas prisões. São Paulo: Vozes, 2001.



[2] Esse fenômeno, no campo da criminologia crítica, é denominado de “criminalização secundária”. É o aspecto mediato da criação de tipos e identificações de condutas socialmente nocivas, que implica o alargamento do rol dos excluídos pela norma penal e, via indireta, aumenta a criminalidade de um determinado país.



[3] A teoria do labelling aprouch, ou do etiquetamento social, demonstrou que a definição do criminoso, em si, já é um processo excludente e que define a pessoa como criminosa, ainda que não tenha praticado qualquer infração. O criminoso não é aquele que pratica delitos; mas, sim, aquele definido pelo sistema, capturado, sem acesso aos meios culturais (em medida suficiente para livrar-se da incriminação). A partir de três constatações irretorquíveis, quais sejam, (a) a cifra oculta da criminalidade, (b) a relatividade do delito e (c) impunidade nos crimes de colarinho branco, e com fulcro no interacionismo simbólico (a realidade humana é, em essência, o reflexo das interpretações coletivas dos fatos), o etiquetamento define o desviante como aquele que, antes de ser um imputável e de ter praticado uma conduta proibida, foi interpretado pelo sistema como criminoso.



[4] Importante frisar, neste aspecto, que não cabe ao Direito Penal buscar modificar a sociedade – ao menos, isso não lhe pode ser imputado diretamente. O papel de modificadora da realidade social resta à política criminal. Para tanto, basta diferenciar a criminologia, que seria o fundamento explicativo, etiológico e causal do fenômeno criminológico, a política criminal é o fator decisivo, transformadora das experiências criminológicas em estratégias de atuação positiva, e o Direito Penal, que deve mostrar-se como um conversor, de índole operativa, da proposição jurídica geral e obrigatória.
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