quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Têm vezes nas quais é melhor ficar calado...

"Na realidade, Deus não expulsou Adão do paraíso por ter cometido o pecado original.

Adão pretendia uma revolução no paraíso, tomando o poder de Deus.

Ele, de fato, fez concurso para Juiz Substituto"

Duas das qualidades que eu mais aprecio, nos seres humanos, são a humildade e a persistência.

Sobre a persistência, acho ela imprescindível para todos. Cansei de ver marmanjos, com todas as possibilidades de ter uma vida boa, quedarem-se inertes frente problemas pífios, enquanto já tive oportunidades de me emocionar ao ver pessoas com graves dificuldades, de todas as espécies, conseguirem um lugar ao sol, de modo digno.

A humildade, por outro lado, revela a beleza da alma da pessoa.

Não digo aquela falsa humildade, buscando um lugar no céu ou, ao menos, um melhor local de emprego. Antes disso.

Digo a humildade daqueles que têm do que se gabar, que são qualificados, que possuem um quê a mais, e que, ao contrário de se venerarem, beijando a si próprios em detrimento dos demais, são ativos, vão utilizar os seus dons para transformar o mundo em algo melhor.

Isso vale em qualquer ponto, desde os que são empregados de empresa de mineração, de dia, e nos finais de semana auxiliam pessoas carentes, até os figurões que mantém, por filantropia e não apenas pelos benefícios previdenciários e tributários, entidades assistenciais.

Porém, uma coisa me deixa indignado. É o fato de haver pessoas que se julgam melhores que outras. Sinceramente, quanta prepotência. Todos temos a mesma composição física débil, que se rompe com o menor impacto, todos temos limitações mentais e sociais enormes, e mesmo assim há aqueles que, por obterem (ou usurparem, digo, serem premiados com) um cargo público, se acham superiores aos demais.

Semanas atrás, fiquei sabendo de uma sentença, na qual uma Juíza, de nome Adriana Sette da Rocha, que labora na Vara da Justiça do Trabalho de Santa Rita (PB), fez declarações estapafúrdias sobre o quão iluminado e soberbo é o trabalho do magistrado, que está acima dos demais. Ela chegou a escrever (e está salvo no Diário Oficial, por incrível que pareça - clique aqui para ler) o seguinte:

"(...) No vigente diploma processual civil, temos normas que atribui ao juiz amplo papel na condução e decisão, dispondo poder o julgador dirigir 'o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas', 'dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica' (art. 852-D) e adotar 'em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum' (art. 852-I, §1º). Talvez o ponto mais delicado do tema esteja na avaliação da prova, o que envolve os princípios da unidade e persuasão racional e sua relação com o princípio protetivo. O princípio da unidade diz que, embora produzida através de diversos meios, a prova deve ser analisada como um todo e o princípio da persuasão racional relaciona se com a liberdade de convicção do Juiz, mas obriga-o a fundamentar a sua decisão.

A liberdade de decisão e a consciência interior situam o juiz dentro do mundo, em um lugar especial que o converte em um ser absoluto e incomparavelmente superior a qualquer outro ser material. A autonomia de que goza, quanto à formação de seu pensamento e de suas decisões, lhe confere, ademais, uma dignidade especialíssima. Ele é alguém em frente aos demais e em frente à natureza; é, portanto, um sujeito capaz, por si mesmo, de perceber, julgar e resolver acerca de si em relação com tudo o que o rodeia.

Pode chegar à autoformação de sua própria vida e, de modo apreciável, pode influir, por sua conduta, nos acontecimentos que lhe são exteriores. Nenhuma coerção de fora pode alcançar sua interioridade com bastante força para violar esse reduto íntimo e inviolável que reside dentro dele." (excerto retirado do julgado no processo
n.º 01718.2007.027.13.00-6, Vara do Trabalho de Santa Rita-PB, Tribunal Regional
do Trabalho da 13º Região).

Sem meias palavras, que pérola.

A nobre senhora estuda alguns anos de sua vida e se acha melhor que um trabalhador rural, que durante anos cultivou e criou gado, para abastecer uma pequena cidade. Ou que um gari, que tem a nobre missão de deixar nossa cidade limpa. Ou, ainda, que eu e você, que pagamos impostos para que ela tenha o seu subsídio na casa dos R$ 20.000,00.

Na filosofia, é bastante discutida a existência do Absoluto, ou seja, Deus, até porque é de difícil compreensão, para alguns filósofos, a existência de uma entidade perfeita, onipresente, onisciente. A douta magistrada, ao revés, admitiu a existência de Deus e, contrariando todas as teses razoáveis da sociologia, se intitulou como um ser de sapiência única, que pode, em outras palavras, "dar vida a algo" por si só. Que prepotência.

É uma pena que tais opiniões, de forte caráter pessoal, tenham extravasado para os autos de uma sentença, e tenham que ser lidas por, na certa, um pobre trabalhador, pleiteando seus 13º, aviso prévio e que está preocupado com uma justa resolução do processo, pouco se lixando para a grandiosidade da função do magistrado. Não há de ser questionada a sentença, na parte jurídica. Mas a partir do ponto em que parte para convicções pessoais, ela merece todo o repúdio.

Veja que frases de efeitos, como ditas pela Juíza, já estavam em grandes lideres mundiais, como Hitler, Mussolini, Mao Tse Tung, todos com nítido caráter ditatorial, que imprimiam um culto, forçado, a suas imagens e uma suposta superioridade de alguns sobre outros. Sob a falsa aparência de "senhor das leis", a Juíza do Trabalho esqueceu que ela, assim como vários brasileiros, é uma servidora pública e, como tal, deve seu sucesso, apenas, ao bem atendimento ao público.

A imparcialidade no julgamento, essencial para os magistrados, não significa que eles estão acima dos outros homens. Mas, sim, que por possuírem um bom conhecimento jurídico, eles possuem melhor condição de oferecer justiça aos que dela necessitarem.

Após a repercussão de suas palavras, a Juíza retratou-se e pediu desculpas por eventuais ofensas.


"AOS MEUS COLEGAS, AMIGOS E AO PÚBLICO EM GERAL

A propósito de matérias sobre mim publicadas na semana em curso, em vários órgãos da imprensa nacional: confesso que fui infeliz nos exórdios de algumas sentenças proferidas na Vara da Justiça do Trabalho de Santa Rita-PB, da qual sou titular. Neles, repeti conceitos errôneos, despropositados sobre a natureza da magistratura, de que desejo aqui me retratar.

A missão entregue ao juiz é, de fato, sublime. Tanto que o próprio Mestre aconselhou: "não julgueis", como se quisesse advertir que do julgar ninguém seria digno o bastante. No entanto, os homens precisam de Justiça e pedem por Justiça. E assim, a tarefa sublime acaba em mãos humanas, como as minhas, as dos meus pares. E homens, quando julgam homens, não estão livres das limitações de saber e de entendimento, dos defeitos de linguagem e dos vícios de sentimento inerentes à condição humana.

Daí o risco sempre iminente do erro. Este é o drama do julgador (e o presente episódio constitui dentro dele um capítulo pessoal particularmente doloroso). E isso, o que eu decerto teria escrito, num momento de maior felicidade. De coração, peço
desculpas àqueles a quem eu ofendi com minhas palavras. Conforta-me apenas o
fato de que, em nenhuma das matérias do meu conhecimento, tenha sido questionada a lisura das sentenças que dei.

Santa Rita-PB, 22 de novembro de 2007.

Adriana Sette da Rocha Raposo"

Fica difícil, após a longa exposição dos dizeres de exaltação da Juíza, saber se as desculpas são, de fato, sinceras. Isso, aliás, apenas a magistrada sentirá, em seu íntimo. Se, de fato, ela possui a humildade que aparece nessa nova mensagem, é uma coisa sem respostas.

Contudo, fica o alerta, esse sim grave, de que a população tomou tais palavras como normais, admitindo que há pessoas, ocupantes de cargos públicos de renome, que possuem essa concepção das coisas. Isso, sim, é preocupante.

No atual estado de nossa política e dos conflitos envolvendo membros do Poder Judiciário, Ministério Público, e até da Polícia, a solução parece descrer, cada vez mais, da hombridade de algumas castas de poder e, em virtude disse, um sentimento geral de indignação e impotência tomam conta. Os ânimos estão exaltados e cada vez mais vozes se juntam à população.

À primeira vista, parece não ser nada demais. Até porque o brasileiro é um povo tranquilo, contrário a guerras e acomodado. Contudo, nem todo dique de contenção suporta todo o volume de um rio por muitos anos, incólume. Frise-se que, apesar de contido, o brasileiro é, acima de tudo, um persistente, que enfrenta as várias angustiantes dificuldades diárias com um sorriso no rosto.

E, por muito menos do que acontece no Brasil atualmente, várias revoluções brotaram por aí.

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