Maria Lúcia Karam
Maria Lúcia Karam já foi defensora pública, ocasião em que teve oportunidade de vislumbrar, cara a cara, o fenômeno da criminalidade pelo lado da população mais fragilizada nisso tudo. Foi juíza, também no Rio de Janeiro, e possuía canetada, quase final de várias questões de direito criminal.
Hoje, uma das mais respeitáveis posições da criminologia brasileira, tendo sido cotada, recentemente, para integrar o Supremo Tribunal Federal, está aqui na nossa seção "Entrevistas Fandárdicas", falando da criminalidade de drogas e, principalmente, da legalização do uso de entorpecentes.
Como magistrada, a senhora sempre considerou inocentes os portadores de drogas. Por quê?
A proibição das drogas é inconstitucional. A Constituição garante a liberdade individual. Na democracia, o Estado só pode intervir na conduta de uma pessoa quando ela tem potencial para causar dano a terceiro, e a decisão de usar algum tipo de droga é uma conduta privada, não diz respeito a terceiros. Numa democracia, qualquer proibição é uma exceção. A regra é a liberdade individual.
O jurista Miguel Reale Jr. diz que a proibição das drogas é como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Seria o Estado protegendo o indivíduo de si mesmo.
Ninguém pode ser obrigado a usar cinto de segurança. Você pode estar fazendo um mal a você mesmo, mas isso faz parte da liberdade. Faz parte da liberdade individual você querer se fazer mal.
No caso de dependentes de drogas, a Justiça não deve expedir sentenças que ajudem no tratamento, como a internação psiquiátrica obrigatória?
Não. Primeiro, porque é uma pena e, como qualquer pena, viola a liberdade. O Estado não pode intervir de forma nenhuma. Em segundo lugar, também acho que não funciona. Ao menos na imensa maioria dos casos. Qualquer tratamento psicológico só funciona se a pessoa quiser.
O que fazer com os dependentes?
Eles têm de ter garantido o atendimento no sistema público de saúde.
A legalização não aumentaria o consumo?
O consumo se deve a muitos fatores. É como o aborto. É irrelevante o fato de ser legal ou ilegal. Pesquisas realizadas na Holanda e nos Estados Unidos em 2005 negam a tese de que o consumo aumentaria. Na Holanda, onde é permitido usar maconha e haxixe nos coffee shops, registrou-se um porcentual de 12% de consumidores de maconha entre jovens de 15 a 24 anos. Nos EUA, 27,9% dos jovens de 18 a 25 anos eram consumidores.
Muita gente dirige alcoolizada e muitas pessoas morrem em acidentes provocados pelo álcool. Como evitar os mesmos tipos de excessos relacionados a drogas se elas fossem legalizadas?
A legalização permite uma regulação. Você pode estabelecer determinadas restrições, como já existe em relação ao cigarro. Você pode regulamentar o uso e a venda, sem violar a liberdade individual. Qualquer restrição tem de estar relacionada ao fato de a conduta poder causar danos a terceiros.
A legalização não aumentaria a criminalidade?
Ela reduziria. Só existe violência associada à produção e ao comércio de drogas porque esse mercado é ilegal. Num mercado legal como é o do álcool, as disputas se resolvem dentro da lei. No mercado ilegal, as disputas comerciais e econômicas vão se resolver na base da força. Quem provoca a violência, portanto, é o Estado.
Entrevista disponível no site do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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